quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Mãe Menininha do Gantóis


A grande mãe do Candomblé


Mesmo sendo Umbandistas não podemos esquecer desta que foi uma grande Mãe de Santo e ajudou a popularizar as religiões Afro no Brasil e assim acabar com um grande preconceito gerado

E assim espalhando a Fé e Caridade por onde passou.

Ela deu o Primeiro passo para o fim da intolerancia religosa no pais.

"A mãe-de-santo Menininha do Gantois lutou contra preconceitos e ajudou a tornar mais aceita a religião que herdou de seus ancestrais. Hoje é lembrada como uma grande líder espiritual"

Por Michelle Veronese, de Salvador

Brincando de Candomblé. Era assim que Escolástica Maria da Conceição Nazaré, menina pobre da periferia de Salvador, Bahia, ocupava suas horas livres na infância. Habilidosa e criativa, ela tinha um jeito todo especial de improvisar a diversão: reunia folhas de bananeira, espinhos de mandacaru, sementes e frutas e com elas ia dando forma a pequenos bonecos. Depois de prontos, cada um recebia o nome de uma divindade do Candomblé. Havia Oxossi, Ogum, Oxum e uma porção de outros orixás para a garota brincar. O Candomblé também estava presente nos sonhos de Menininha, apelido que Escolástica recebeu da avó. Num deles, uma garotinha de pele clara e cabelo loiro perguntava: “Vamos brincar?”. “Brincar de quê?”, dizia ela. “De jogar búzios, menininha!”, era a resposta. E lá iam as duas brincar com os búzios na areia. Foram necessários muitos anos até que Menininha compreendesse o sentido daquele sonho. “Só depois de adulta ela percebeu que aquilo era um sinal. Eram, acho, os orixás lhe mandando mensagens”, diz a mãe-de-santo Carmem Oliveira da Silva, sua filha caçula.

De fato, os sonhos e as brincadeiras de infância pareciam anunciar o destino de Menininha. Nascida em 10 de fevereiro de 1894, em Salvador, ela pertencia a uma família devotada ao Candomblé. Sua bisavó, Maria Júlia da Conceição Nazaré, havia fundado, em meados do século 19, o Ilê Iya Omin Axé Iyamassê, mais conhecido como terreiro do Gantois (nome do antigo proprietário do terreno, que era francês). Sob a orientação da avó, das tias e da mãe, Menininha foi iniciada nos segredos da religião africana. E sem que soubesse, passou a ser preparada para o cargo, que assumiria anos depois, de ialorixá (mãe-de-santo, na língua ioruba). “A mãe-de-santo é a chefe da comunidade religiosa. A ela cabe o poder religioso e de todos os ritos do terreiro”, diz o sociólogo Reginaldo Prandi, da Universidade de São Paulo.

Alheia aos planos para seu futuro, Menininha completou o curso primário e logo tratou de aprender um ofício. Escolheu ser costureira e não demorou a arrumar emprego num ateliê de Salvador. Entre várias tarefas que desempenhava, cabia a ela a difícil tarefa de confeccionar espartilhos. Aos 29 anos, casou com o advogado Álvaro McDowell de Oliveira, descendente de ingleses. Com ele teve duas filhas, Cleusa e Carmem.

Mas a vida da dona de casa, devotada ao marido e as filhas, logo passaria por uma grande transformação. Com a morte de mãe Pulchéria, tia-avó de Menininha e segunda ialorixá a governar o terreiro do Gantois, a casa ficou sem uma líder. Os orixás, no entanto, se manifestaram e escolheram a próxima sacerdotisa: Menininha. Era uma grande responsabilidade. Afinal, no papel de mãe-de-santo, ela teria de administrar um dos terreiros mais antigos de Salvador, formar filhos-de-santo e ser a líder espiritual de centenas de pessoas ligadas à casa de Candomblé. “Ela queria ter uma vida normal. Mas sabia que não havia outra escolha”, diz mãe Carmem.

Em 1924, prestes a completar 30 anos, Menininha tomou a decisão que mudou sua vida, assumindo a liderança do terreiro fundado por sua família. Mudou-se para o Gantois junto com o marido e a primeira das duas filhas. E desde então, passou a ser conhecida como Mãe Menininha do Gantois, a ialorixá mais famosa e respeitada do país.

Tempos difíceis

Na época em que Mãe Menininha se tornou ialorixá, os tempos não eram fáceis para os adeptos do Candomblé. Além do preconceito, os filhos e mães-de-santo sofriam muitas perseguições e violência. “Não havia liberdade de culto. As casas eram perseguidas e invadidas pela polícia”, diz a antropóloga Josildeth Consorte, da PUC de São Paulo.

Na década de 30, a Lei de Jogos e Costumes esboçou uma certa tolerância ao culto aos orixás. As festas só poderiam ser realizadas em determinados horários e mediante uma autorização por escrito. Isso, no entanto, não impedia que os policiais invadissem os terreiros, espalhando violência e terror. “Eles entravam a cavalo e munidos de sabres. Furavam os atabaques e quebravam tudo o que encontravam pelo caminho”, conta mãe Carmem.

Os anos de opressão só terminaram em 1976, quando o então governador da Bahia, Roberto Santos, sancionou um decreto liberando as casas de Candomblé da obtenção de licença e do pagamento de taxas à delegacia de Jogos e Costumes. Até esse período, porém, não há registros de que o Gantois tenha sido alvo das batidas policiais, tampouco de violências e agressões. “Mãe Menininha teve a grande capacidade de atrair para o terreiro a simpatia de muitas pessoas importantes da Bahia, que protegeram o terreiro de certas investidas da polícia e de outros perseguidores”, diz Reginaldo Prandi.

A ialorixá, porém, enfrentou outra forma de preconceito. Quando assumiu a liderança do terreiro, aos 29 anos, sua juventude não foi vista com bons olhos pelos adeptos mais antigos do Candomblé. “Os velhos africanos sempre diziam que uma sacerdotisa deve ser tão velha que não possa mais lembrar as paixões da juventude”, afirmou Mãe Menininha, em depoimento à antropóloga Ruth Landes no livro Cidade das Mulheres. “Bom, as coisas estão mudando, degenerando, não há mulheres idosas aptas para o nosso trabalho.”

Apesar da pouca idade, Mãe Menininha mostrou-se apta para a função de sacerdotisa. Conseguiu se impor com sabedoria, graças à força de sua personalidade. “Ela era uma mulher carismática, eloqüente e com uma personalidade fortíssima”, conta o antropólogo Ordep Serra, da Universidade Federal da Bahia. Com esses requisitos, a mãe-de-santo não demorou a impressionar adeptos e não adeptos do Candomblé, atraindo cada vez mais pessoas ao terreiro do Gantois “Claro que, para alguém ter esse poder de atração, precisa ser muito inteligente, uma intelectual de primeira”, diz Ordep.


Sacerdotisa popular

Sob o comando de Mãe Menininha, o Gantois logo se tornou um dos terreiros mais procurados e respeitados da Bahia. Filha de Oxum, divindade relacionadas às águas doces e ao amor, a líder religiosa tinha várias características de sua orixá. Muitos que a conheceram a descrevem como uma mulher amorosa, generosa e sempre disposta a aconselhar quem a procurava. “Ela sempre tinha uma palavra, uma mensagem confortadora”, afirma Josildeth Consorte.

Com o passar do tempo, Mãe Menininha foi formando cada vez mais filhos-de-santo e sua popularidade não parou de crescer. “Nos anos 80, assiste-se a sua veneração. A imagem de Menininha do Gantois já adquire ares de mitificação”, escreveu o antropólogo Jocélio Teles em Caminhos da Alma. “Ser abençoado por Mãe Menininha era um desejo de todo mundo que visitava a Bahia”, afirma Josildeth. Para receber a bênção da sacerdotisa, turistas de todas as partes do país lotavam ônibus e se amontoavam na entrada do terreiro. Políticos, artistas, intelectuais e acadêmicos a procuravam constantemente em busca de conselhos, orientações ou informações para suas pesquisas. A ialorixá também recebia muita gente humilde, pobres da periferia ou do campo, que muitas vezes queriam um lugar onde comer e passar a noite. “Mulheres que tinham se afastado do marido, ou por morte ou separação, vinham com todos os filhos. Pessoas que perdiam o ônibus ou trem e que não tinham onde passar noite, ficavam aqui”, diz mãe Carmem.

Na cozinha da casa de Menininha, o velho fogão à lenha nunca estava apagado. Ali, a mãe-de-santo sempre tinha água quente para preparar um novo café e uma refeição para oferecer aos visitantes. Na mesa, não podiam faltar cuscuz e o bolo de farinha de arroz, receitas que fez questão de ensinar às filhas, netas e ajudantes. As gentilezas e atenções eram iguais para todos, fosse o visitante um gari ou um chefe-de-Estado.

Ecumênica por natureza

Mãe Menininha faleceu em 13 de agosto de 1986. Nos mais de 60 anos em que liderou o terreiro do Gantois, como uma grande diplomata de sua religião, sempre tratou de explicar o Candomblé àqueles que se interessavam em aprender ou estudar o assunto. Além do ótimo relacionamento com governantes de Estado, artistas e intelectuais, a ialorixá também conquistou o respeito de líderes de outros terreiros e sacerdotes católicos, especialmente os mais ecumênicos e tolerantes. Durante vários anos, ainda que eventualmente, freqüentava missas católicas. “É preciso lembrar que as religiões africanas não são dogmáticas, ou seja, não exigem adesão exclusiva. Então, você pode fazer seu culto e aceitar outras práticas eventualmente”, diz Ordep.

Ecumênica por natureza, Mãe Menininha declarou uma vez: “Deus? O mesmo Deus da Igreja é o do Candomblé. A África conhece o nosso Deus tanto quanto nós, com o nome de Olorum. A morada dele é lá em cima e a nossa, cá embaixo”. A frase está hoje exposta no Memorial Mãe Menininha do Gantois, em Salvador. No pequeno museu, que reúne objetos pessoais da ialorixá e funciona no próprio terreiro, estão, entre outros objetos pessoais, a mesinha onde jogava os búzios, o rádio que gostava de ouvir e os óculos de armação grossa, sua marca registrada.

Para muitos pesquisadores, a popularidade e o reconhecimento que Mãe Menininha alcançou contribuíram para tornar o Candomblé uma religião mais aceita no país. O curioso é que tal popularidade não impressionava a mãe-de-santo. Seus parentes contam que ela se recusava a divulgar ou registrar os nomes dos artistas, políticos e outras pessoas famosas que freqüentavam o terreiro. Não gostava de ser fotografada e fazia questão de dizer que as pessoas não iam ao Gantois por sua causa, mas para ver a casa do Candomblé e os orixás.

Sua aversão à fama não impediu que recebesse diversas homenagens, especialmente de artistas e amigos ilustres. Entre elas, a mais conhecida é a música Oração a Mãe Menininha, que Dorival Caymmi compôs em 1972. Apesar de ser ogã (espécie de protetor influente do Candomblé) de outro terreiro, o compositor visitava freqüentemente Mãe Menininha, a quem pedia conselhos e tratava como a uma mãe. “Ela costuma dizer que eu era sua sexta neta”, recorda a cantora Nana Caymmi, filha de Dorival. “Sempre recebia a todos com o mesmo sorriso e a mesma alegria.” Quem conheceu Mãe Menininha conta que ela tinha um jeito todo especial de ser, viver e cuidar das pessoas. Um jeito carinhoso de mãe, sempre atenciosa e a pronta a ajudar seus filhos, que os versos da canção trataram de imortalizar: “A beleza do mundo, heim? Tá no Gantois./ E a mão da doçura, heim? Tá no Gantois./ O consolo da gente, ai. Tá no Gantois…/ Ai, minha mãe. Minha Mãe Menininha”.

Quando criança, Menininha criava bonecos de orixás com folhas de bananeira, espinhos de mandacaru, sementes e frutas. Adulta, homenageava as divindades em celebrações no terreiro.
PARTILHA:

LIVROS

Cidade das Mulheres, de Ruth Landes, editora UFRJ, 1947.

Caminhos da Alma, de Vagner Gonçalves da Silva (org.), editora Summus, 2002.

ONDE

Memorial Mãe Menininha do Gantois. Rua Mãe Menininha do Gantois, nº 23. Bairro da Federação. Salvador, BA. (71) 331-9231

Fonte:

http://religioes.abril.com.br/edicoes/13/mestresdiscipulos/conteudo_religioes_49791.shtml#top

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